A propósito do projeto europeu CERERE, que pretende aumentar a resiliência da cadeia de abastecimento no Mediterrâneo, veio mais uma vez à tona a questão pertinente da dependência portuguesa de produtos alimentares básicos, como é o caso dos cereais. Como revela a investigadora Florinda Matos, do ISCTE, e coordenadora nacional deste estudo, “se houver uma situação extrema, em cerca de 20/30 dias, no máximo, temos os sistemas de abastecimento bloqueados”.
Este é um tema que divide opiniões. Por um lado, há quem defenda que não podemos investir e apostar em culturas com baixas produtividades e com fraca capacidade competitiva face aos restantes produtores europeus e mundiais. Por outro, este grau de elevadíssima dependência coloca sérios riscos de ruturas num contexto geopolítico cada vez menos previsível e com conflitos vários a condicionar o normal fluxo de abastecimento.
Independentemente das dificuldades práticas em produzir trigo com vantagens competitivas, a importância estratégica deste cereal em questões de segurança e soberania alimentar devia motivar uma reflexão séria, quando falamos de um autoaprovisionamento inferior a 10%. É muito pouco, é muito perigoso, é de pão que falamos.
“Independentemente das dificuldades práticas em produzir trigo com vantagens competitivas, a importância estratégica deste cereal em questões de segurança e soberania alimentar devia motivar uma reflexão séria, quando falamos de um autoaprovisionamento inferior a 10%.”
Recordo que em 2018 foi apresentada uma Estratégia Nacional para a Promoção dos Cereais, com o objetivo precisamente de produzir mais e melhor, melhorar a eficiência, reduzir os custos de produção e de contexto e potenciar a inovação e transferência de conhecimento. A ideia seria chegar aos 40% de autoaprovisionamento. Pouco saiu do papel e foi mais uma estratégia sem implementação prática, perdida em danças de ministros.
Aparentemente, o novo ministro da Agricultura, José Manuel Fernandes, terá manifestado abertura para a revisitar o documento. De nada vai valer porque, como já percebemos, não é a vontade política, limitada no tempo e sem compromisso temporal, que pode mudar esta situação. Os agricultores movem-se por oportunidades económicas que lhes garantam rendimento. E enquanto houver culturas mais atrativas optarão, e bem, pelas mais rentáveis.
Minimizar esta situação, em especial no trigo, é desafiante e muito complexo. Mas não impossível. É preciso falar disso e discutir soluções em conjunto.

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