Os atrasos são generalizados e comprometem a produção e qualidade dos produtos. Batata, cebola e cenoura são algumas das culturas mais afectadas, em especial nos horto-industriais. Mas o milho e o tomate também começam a preocupar os agricultores. Se o tempo não estabilizar nas próximas semanas, ninguém arrisca instalar estas culturas fora do período óptimo.
No Ribatejo já ninguém quer ouvir falar em chuva. O tempo teima em não estabilizar e já se teme o ‘Abril águas mil’. As plantações estão atrasadas em cerca de um mês e meio. Batata e cebola são as grandes preocupações nas culturas horto-industriais.
Na área de influência da Agromais começou-se a plantar, mas o programa de instalação está longe de estar completo: “A batata é menos problemática porque tem um período de colheita mais alargado e pode ficar mais tempo na terra. Mas na cebola isso não acontece, não podemos prolongar a colheita para além de Setembro, porque a chuva pode arruinar a qualidade do produto”, revelou à Vida Rural Jorge Neves, director da Agromais, a organização de produtores responsável por mais de 300 hectares de batata e cebola para indústria.
Por enquanto vive-se em expectativa. As chuvas intermitentes estão a baralhar as contas e a prejudicar as tentativas de planeamento. As terras encharcadas impedem a entrada das máquinas para preparação de solos. E se no alto Ribatejo a drenagem se faz a bom ritmo, na lezíria ribatejana acumulam-se as dificuldades.
Jorge Neves avança que, por enquanto, a área já semeada de batata está segura porque “não houve cheias em cima das novas plantações. O problema é toda a área que ainda não está trabalhada”, adianta.
Arriscar para colher mais tarde
As culturas de Outono/Inverno foram as mais afectadas. Ervilha, batata e cenoura para consumo e para indústria sofreram com a estação das chuvas. O excesso de humidade no solo provocou dificuldades de instalação, quebras de produção e atrasos nas colheitas. “O ciclo produtivo decorreu em condições muito complicadas. Neste momento assistimos a problemas de podridão de sementes e problemas fitossanitários sérios, caso do míldio na batata e ervilha”, explica Gonçalo Escudeiro, vice-presidente da Federação Nacional de Organizações de Produtores e director da Torriba.
Este responsável fala em pelo menos 60 hectares na área de influência da Torriba que tiveram de ser ressemeados, cujos produtores vão arriscar um período de colheita tardio. Ainda assim, “há muita área que não voltou a ser semeada, porque os produtores não quiseram a arriscar. Na batata, a nossa estimativa [Torriba] é que tenhamos uma quebra de produção de pelo menos 1500 toneladas, fora as situações não quantificadas”, afirma Gonçalo Escudeiro que também admite problemas de produtividade e qualidade na cenoura.
Nas culturas de Primavera/Verão começam as dificuldades de escalonamento. Tomate, batata, pimento, beringela e curgetes são alguns dos hortícolas em standby à espera do sol. E alternativas não existem: “São produtores altamente especializados, é muito complexo encontrar culturas de substituição. O que tínhamos previsto para acontecer em Março e Abril não se vai realizar, logo será difícil cumprir os contratos com a indústria”.
A Oeste nada de novo
No litoral Oeste o desânimo é geral. Depois das tempestades de final de Dezembro, que afectaram cerca de 80% das estufas da região (cerca de 40% com destruição total) a continuação do mau tempo agravou as dificuldades. Batata primor, por exemplo, é uma hortícola que não chegará ao mercado em 2010. Devia estar a ser colhida em Abril mas não chegou a ser plantada.
Com quase quatro meses de chuva ininterrupta, só agora começam as primeiras plantações de batata e de cebola de consumo. Abóboras e cenouras também estão com atrasos consideráveis e as consequências práticas já se fazem sentir: “É natural que se venha a assistir a alguma escassez no mercado, até porque também houve mau tempo noutros países produtores”, indica António Gomes, presidente da Associação Interprofissional de Horticultores do Oeste.
Os preços também já começaram a subir, com aumentos que na cebola, por exemplo, ascendem aos 30%. Este incremento explica-se não só pela falta de matéria-prima mas, também, pelo ‘histórico’ negativo. É que 2009 foi um ano de grande depressão de preços, com grande parte dos hortícolas a ser transaccionado na produção abaixo do preço de custo, caso do alho francês e da cebola.
Neste momento, só a importação salva a subida de cotações: “Não prevemos que os preços subam muito mais. Neste momento os preços estão no que deveriam estar em condições normais, porque os distribuidores estão a comprar produtos no estrangeiro. Na couve, por exemplo, praticamente não tivemos produção nacional este Inverno e os preços mantiveram-se devido à importação”, explica António Gomes.
À espera que o tempo melhore
No Norte do país a história repete-se. As culturas de ar livre estão com atrasos graves, “não se está a plantar e não sabemos quando o faremos”, explicou à Vida Rural Carlos Alberto Lino, presidente da Horpozim, Associação de Horticultores da Póvoa do Varzim.

“Há áreas ressemeadas, mas não está a correr bem porque a chuva continua. A cebola temporã branca e a cebola híbrida já deveriam estar a ser colhidas e praticamente não teremos produção. A batata também está muito atrasada, e quem arriscou semear viu a cultura apodrecer”, refere.
Os solos estão encharcados e há plantas a aguardar a plantação que começam a perder qualidade, caso da chamada ‘cebola da Póvoa’.
Mesmo nas culturas de estufa, os níveis freáticos não estão a permitir a plantação, uma vez que os terrenos de areia da região encharcam facilmente. Nabo, alface, tomate, pimento, todas as hortícolas esperam pelo momento em que a terra permita a movimentação, o que ainda está longe de acontecer: “Está a ser muito complicado”, confessa Carlos Lino que nem quer ouvir falar de preços e reclama fiscalização: “Sempre que as cotações sobem por via da escassez, não é o agricultor o beneficiado. Todo o lucro fica na área comercial, as perdas ficam sempre do lado do produtor”.
Alentejo regressa à normalidade
No litoral alentejano, o Inverno foi de má memória. Os prejuízos começaram em Dezembro de 2009, com a concentração de chuva a ser fatal para muitas culturas, mesmo as de estufa.
“Os estragos foram consideráveis”, frisa Paul Dolleman, presidente da Associação de Horticultores do Sudoeste Alentejano, que indica que “neste momento estamos a ressemear para tentar a recuperação, embora já muito se tenha perdido”.
Nas culturas de Outono/Inverno os atrasos e os ataques fitossanitários foram os principais problemas: “tivemos ataques de várias doenças nas alfaces e nas cenouras. E mal formações em culturas como o morango. O impacto da água foi geral, não temos quantificadas as toneladas perdidas, mas o estrago financeiro ascende aos vários milhões de euros”, afirma este empresário que recorda a dificuldade em cumprir contratos de exportação. Uma situação que obrigou muitas empresas a importar produtos do estrangeiro para poder cumprir os seus compromissos e não perder clientes: “Tiveram o custo da perda da cultura e o custo da compra de produtos para honrar contratos. Foram tempos difíceis”, lembra.
Mas, no Alentejo, o tempo é agora de regresso à normalidade. A generalidade dos produtores está a semear e está-se no final da campanha de instalação das culturas para exportação caso das saladas, cenouras, batata, couve chinesa, pequenos frutos e flores.
Milho e tomate são incógnita
Por esta altura muitos produtores já deviam estar a semear milho. Mas no campo de Vila Franca há relatos de produtores que, prevendo não conseguir semear nas próximas duas semanas, e dada a fraca rentabilidade da cultura face aos preços esperados para esta campanha, ponderam não produzir este ano: “Pode ser arriscado, porque há um período óptimo para a cultura que está a passar sem se poder trabalhar. Daqui para a frente é sempre um risco acrescido face à depressão no mercado”, refere Jorge Neves.
No tomate para indústria a mesma incógnita. As plantações já deveriam ter arrancado e já há problemas de plantas a perder qualidade à espera de entrar na terra. Mas por enquanto não há alarmismo. Se o tempo melhorar os prejuízos devem ser desprezíveis. Caso contrário, “temos um problema sério”. •
Seguros não cobrem chuvas persistentes
Quando a intempérie atinge as culturas agrícolas, volta à tona a questão dos seguros nesta área. São caros, pouco ajustados e desinteressantes para os produtores.
Gonçalo Escudeiro, da Torriba, diz mesmo que não é um problema, é um drama: “Muitos agricultores fizeram o prolongamento do seguro de colheita para estarem ‘cobertos’ até 31 de Setembro de forma a minimizarem os riscos de uma colheita tardia. Só que as companhias de seguros negam-se a pagar a cobertura de chuvas persistentes, que é para isso que serve este prolongamento. Estamos em risco de perder produtividade e falham-nos os seguros! Com esta postura e com a passividade do Ministério da Agricultura não vamos resolver esta questão”, critica.
Também Carlos Alberto Lino, da Horpozim, critica a passividade na questão dos seguros. A associação que representa fez um protocolo com uma companhia de seguros para conseguir tentar preços mais baixos nos prémios dos seguros. Ainda assim ”são tão caros que não compensam e não cobrem as despesas, os agricultores preferem arriscar”, avança. Nas estufas acontece o mesmo. Em regra os seguros cobrem apenas a estruturam os plásticos e a rega. As perdas das culturas raramente estão seguradas “dados os preços exorbitantes que são pedidos para englobar esta situação”, indica este dirigente.